Eu achava que nunca ia te esquecer. Até fazia planos para
quando ficar velhinha imaginar você reclamando de tudo com seu jeito ranzinza. Era
bem capaz de você ainda nem ter me perdoado. E o mais engraçado era que nessa
mesma imaginação, eu já tinha 4 netos e nenhum tinha qualquer relação com você.
Verdade. Eu casava de mentirinha. Não com você, porque foi-se o tempo dos
amores platônicos, em que eu casei 4 ou 5 vezes com você, do jeito que dava pra
imaginar. Estava falando da realidade esquisita de casar com uma pessoa que eu
não conhecia tanto quanto você. Que de tão perfeita, aliás, parecia que eu não
conhecia. Porque com você era diferente: sabia todos os defeitos. E que ilusão
é essa de achar que te conhecia bem só porque sabia os seus defeitos?
Esquisita sensação. Mas mesmo assim eu gostava de sentir. Imaginava
que podia ver você em vários lugares e rostos. Te via mas não tinha você. E a cada chuva ia te encontrar
sentado em um café. Mas você estava do outro lado do mundo e nem doía mais
tanto assim. Era só uma lembrança que martelava e que me fazia tão cética a
ponto de achar que ninguém era igual a você.
Eu lembrava que você suava pelo pé, pelas mãos e eu achava
isso engraçado. Quase um pato. Feio. Você nem era tão bonito assim, mas tinha
um charme que só eu conhecia.
A graça era essa porque sou ciumenta. Só eu conhecia o que
você tinha de mais bonito, mas ai a gente brigava e tudo voltava a ficar do
mesmo jeito. Seus defeitos. O problema nunca foi eu, era você. Você conseguia
me tirar do sério por pouco com a mesma intensidade que conseguia me fazer
feliz por muito menos ainda.
Aí você já tinha ido embora fazia tempo. Até eu tinha ido
embora e mesmo assim o seu lugar estava ali. Eu me imaginava amando você
escondido pra sempre. Inventava uma briga só para te procurar e dizer o quanto
você foi bobo de me perder. Eu estava perdida, porque era assim que me sentia
sem você. A dor tinha conseguido me convencer a me acomodar. E que coisa
estranha. Já vi quem se acomoda por amor. Mas pela dor? Lembro que eu me sentia experiente no amor só
porque não tinha te esquecido. Imaginava que as pessoas eram tolas em viver
esse amor mais ou menos. Esse amor quatro horas da tarde. Eu, não. Eu era feliz
porque tinha conhecido uma saudade tão forte quanto a dor de te ver indo
embora.
Como eu podia me sentir feliz com tão pouco? Eu não via a
hora de te ver depois de anos ainda surpreso com o mesmo sorriso que você gostava
em mim. O sorriso triste de não ter você. Imaginava que poderiam passar anos,
amores e mudanças e mesmo assim você ia enxergar em mim o que sempre enxergou. Você
mesmo. Te encontrei por um acaso umas 4 vezes na vida e em todas elas, me apaixonei por você.
Eu achava mesmo que nunca ia te esquecer, mas não sei quando exatamente
isso aconteceu.
Talvez eu tenha esquecido alguma parte da nossa história.
Nem sou tão velha assim, nem casei de mentirinha, mas também não sinto mais
saudade. A dor foi embora e com ela chegou a paz.
Em algum lugar talvez eu lembre do seu sorriso. Mas continuo
achando que não sei nada sobre o amor. E não quero que você me ensine porque dessa vez
foi diferente. Você não vai se apaixonar por mim a vida toda.
Acho que você foi embora de verdade muito tempo depois de
ter batido a porta. Mas foi.
E talvez eu não passe a vida te esquecendo somente porque parece
que eu demorei uma vida para te esquecer. Mas esqueci.
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