quarta-feira, 6 de maio de 2015

Alô?

"A saudade inventou a memória e a memória reinventou a saudade".
Tinha acabado de desenhar essa frase em pensamento quando o telefone tocou.
era de outra cidade, o que por si só já fazia o coração disparar.
só podia ser ela.
atendeu ainda hesitante e do outro lado, reconheceu os mesmos sentimentos.
Não parecia que o tempo tinha passado.
a voz dele era recente na memória dela.
e não era apenas isso impossível de esquecer.
tiveram os abraços que nunca existiram.
os beijos que ficaram pela metade e as promessas que nunca deveriam ter sido ditas.
de repente, com apenas uma ligação, tudo aquilo voltou.
a memória tem dessas coisas. faz questão de nos fazer sentir vivos, como colecionadores.
mas como colecionadores também erramos: repetimos sentimentos. repetimos lugares.
repetimos até o tempo, só para ter ele volta.
ele nunca deveria ter ido embora. e agora, mais do que nunca, tinha certeza disso.
tentava lembrar a letra dela, reconhecer um pouco dele naquele vazio de lembranças.
lembrava de um ou outro olhar, de algumas palavras, mas não lembrava o cheiro que ela tinha.
como isso poderia ser possível?
cheiro tinha a ver como lembrança. e ela ainda estava ali bem perto dele. sempre esteve.
junto com ela também lembrava de algumas viagens. mesmo sozinho, parecia que a saudade fazia parte dele. pra sempre.
desde sempre.
não era ele que estava com ela quando ouviu a pior tempestade da vida.
mas de repente, inventava que era só para sentir menos falta. 
confundia memórias com lembranças. com saudade. e também com a esperança.
afinal, não seria a memória um jeito de se sentir vivo?
o único jeito.
assim, como a esperança.
tinha esperança que pudesse vê-lo mais uma vez.
e dessa vez, bem de perto. nunca tinha esquecido o perfume dele. e o mais irônico é que ele nunca gostou de perfume.
marcou vários encontros, mas não apareceu em nenhum.
estava sempre com ele, mesmo sem estar.
e agora, ali, ouvindo a voz dela, parou no tempo.
não puderam se encontrar, mas sentiram a saudade se reconhecendo.
Dali por diante, tudo seria diferente.
Poderia haver o abraço que nunca existiu, ou a outra metade do tempo que ficou pra trás desde algum beijo que foi perdido.
poderia haver. era esperança que nada tinha mudado.

de novo, a esperança. de novo a memória. de novo a saudade.
e de novo, um motivo pra haver um reencontro.

"a memória inventou essa tal de saudade. e pelo visto, a saudade também queria reinventar a memória".

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