sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Eu demorei anos (parte 3)

Eu demorei anos para descobrir que a felicidade é feita de pequenos espaços no tempo. E às vezes, quando é preciso algum esforço para se sentir feliz, é preciso também ir para um lugar um pouco longe. Talvez chamado de lembrança. Eu demorei anos para descobrir que as melhores lembranças da minha vida me fazem me sentir mais viva. E mesmo sabendo que com o passar desse tempo envelheci qualquer coisa, são essas lembranças e saltos no tempo que me fazem me sentir mais jovem. Lembrança é um jeito especial que temos de colocar um marca página em nossa própria vida. Mas aqui, não falamos em livro. E provavelmente, esse marca página é feito com nosso coração.

Também levei algum tempo para saber que um dia o nosso coração realmente fica mais inacessível. Talvez até um pouco mais duro. No fundo, é um jeito que temos de colocá-lo em uma caixinha e protegê-lo do mundo. Uma pena que nessa mesma caixa não caibam também os nossos medos. Eu adoraria que meu coração soubesse lidar com todos eles. Um dia descobri que "qual é o seu maior medo" é uma pergunta muito fácil de responder. Olhe que nem estou falando de avião.

Eu demorei anos para descobrir que se apaixonar não é a coisa mais fácil do mundo. E quando a gente aprende alguma coisa sobre isso descobre também que depois de um tempo e de algumas pancadas, mesmo que a gente ache que se apaixonar seja fácil, vai também descobrir que se desapaixonar é mais fácil ainda. Desencantar-se é fácil e simples assim, como ser intolerante com alguns defeitos dos outros.
Mas ai também descubro que em vez de melhorar, posso estar também colocando meus defeitos em uma caixinha. E isso pode não ser legal. O tempo devia tirar qualquer marca-página que tornasse isso parte de mim mesmo.

Um dia também descobri que vazio não tem nada a ver com dor-de-cotovelo. E que decepção dói mais que dor de amor. Decepção é somente deixar de acreditar nas pessoas. E se você pensar direitinho, isso tem a ver com acordar de repente e perceber que qualquer pessoa pode nos machucar. É uma escolha.
E falando nelas, descobri que não existe maior solidão do que tomar decisões. É como ter que escolher entre um caminho escuro, ou outro com a luz apagada. E não, isso não é a mesma coisa. Mas também descobri que essas escolhas fazem parte da minha vida de uma forma tão especial, que no meio do caminho, talvez eu encontre surpresas. Ou somente encontre a mim mesma.

Aliás: sempre encontrei. Nem sempre vai dar para ter todas as pessoas que amei parte da minha vida e presentes pra sempre. Mas com certeza, o pequeno tempo que dediquei a elas, faz parte de quem eu sou hoje. E não, também descobri que não tenho medo do escuro mais. E quando isso acontecer, é simples: basta conversar com Deus e deixar a luz acesa. Isso não faz de mim mais criança, ou menos forte. Assumir as fraquezas também é outra coisa que se leva um certo tempo para aceitar.
Um dia também descobri o que sempre soube: criar expectativas é um jeito ansioso de viver tudo antecipadamente: as partes boas e também as partes ruins. E ninguém quer descobrir o final do livro, antes de chegar na metade. Desse jeito, talvez o marca-página não tenha muita graça. E a lembrança pode ser desagradável.

Um dia também descobri que não existe mais estranha sensação do que ter amado muito alguém e hoje essa pessoa ser somente um estranho. E o mais estranho ainda é pensar que teria deixado de amar de todo jeito. Estando junto, ou não. No fundo, ainda acho que a dor só vai embora quando não existe mais nenhum tipo de expectativa. Sendo otimista, isso pode ser uma boa dica.
Também demorei anos para aceitar que é preciso muita coragem para ir embora e mais ainda para recomeçar. E sempre dá para fazer tudo novamente. Aceitar o fim não é tão difícil.
E não importa quantas vezes você diga que nunca mais vai voltar. Justo aquele lugar pode ser seu porto seguro.

Também demorei para descobrir que existe um tipo de amor que cresce a cada olhar, a cada sorriso. E nos faz tão maiores que torna qualquer medo pequeno. Esse tipo de amor vem sem cobrança. E dissociar a cobrança do amor é algo tão mágico que nos deixa mais parte de Deus. Deve ser por isso que toda mãe tem essa ligação bem maior com o céu.

Outro dia também descobri que continuo sentindo que "não importa a distância, se temos o mesmo céu" ainda é a minha frase que mais define o quão pequena pode ficar uma saudade enorme. E talvez seja um bom consolo. Nem toda saudade se acaba no abraço, mas se doer um pouco, isso vai me tornar mais viva. E dá sempre para voltar atrás. A vida é uma só e por isso mesmo tenho que escolher com carinho quem vai fazer parte desse meu céu.

Um dia também descobri que a melhor coisa do mundo é ter um filho. É como nascer de novo todo dia. Se hoje existe solidão, pode ter certeza de que amanhã você não brinca sozinha. Colocar um filho que nasceu nos braços pela primeira vez é um milagre tão grande que dá saudade a todo instante. E talvez não exista família perfeita, mas é incrível a força que existe no amor. Só de ver alguém sendo amável com meu filho, já passo a amá-la na mesma hora.

Eu demorei anos para descobrir que às vezes me sinto sufocada pelas pessoas e pelos meus próprios pensamentos. O que não significa que eu seja anti-social ou coisa do tipo. Só tenho um jeito esquisito de ser feliz. E aprendi a gostar tanto de ficar sozinha, que ir ao cinema com a cadeira vazia do lado é muito mais interessante do que conversar com quem não goste.

No fundo, timidez é só um jeito criativo de sair correndo de qualquer lugar. Na hora que bem entendo. Parece que estou num palco constantemente, mas sem a intenção de impressionar ninguém. E não esqueça também que falar mansinho não tem nada a ver com ser bobo. Quisera eu ter guardado algumas palavras só pra mim. Mas meu coracão talvez seja um pouco como eu: também precisa de espaço e vez ou outra se sufoca, colocando tudo pra fora.

Eu demorei anos para saber que não me importar com qualquer coisa, não significa que aquilo deixou de ser importante pra mim. Mas se tudo isso não importa mais para você, eu prefiro que você me diga. E logo. Não vou fazer nada para mudar isso. Só o tempo muda as coisas. E se você fica esperando sentado para o tempo mudar, não vai adiantar nada. Assim, você estará apenas aceitando as coisas. E no fundo, para qualquer mudança ter efeito, ela tem que começar mesmo em você. Talvez tenha ficado complicado mas não significa que seja difícil.

Um dia também descobri que não levei uma vida inteira para te esquecer, mas demorou tanto que pareceu uma vida. É porque foi: algo nasceu, cresceu e morreu. Por sorte, não fui eu. Ainda tenho algum tempo. E se tempo tempo, é bom que eu saiba escolher com quem vou gastar. O melhor conselho que já ouvi foi: a gente tem que gostar de quem gosta da gente. Parece simples, mas se todo mundo fizesse isso, muitos livros nem seriam escritos. Servidão Humana, que é um dos meus preferidos, não passaria nem do Prefácio. Mas tenho certeza de que uma hora a gente acerta. E talvez ilusão e expectativa sejam a mesma coisa.

Eu demorei anos para descobrir que estar com coração vazio não significa "não ter lembranças". Sabe aquela caixinha do início do texto? É nela que guardo tudo. Um jeito prático de esvaziar o coração? Não foi tão pensado assim.

É bom mesmo que nada seja pensado. E nunca ache que as coisas são mais intensas do que realmente são. A menos que seja um beijo.

Um dia também descobri que saudade é um jeito que o coração encontrou de beijar o outro. Já escrevi isso várias vezes. E nem é porque acho bonito. É porque quanto mais o tempo passa, mais brega acho.

aí imagino que ainda vou descobrir muita coisa. E elas sempre vão mudar. E melhor ainda deve ser redescobrir algumas. Mas acho que isso ainda vai demorar. Sim, a gente leva tempo para curar um coração partido. Mas demora ainda mais para entender que coração vazio não é a mesma coisa que partido. Sim, é a velha decepção. E por favor: essa não quero deixar na caixinha.

Mas perdoar pode ser um jeito de reciclar carinho. Perdoar não significa voltar atrás, nem muito menos colocar um marca-página aquela pessoa. Só significa que virou a página de um jeito especial. Se você diz que perdoou e ainda se transborda em palavras, ferindo alguém, pense bem: talvez você não tenha amadurecido nadinha. Desejar o bem é o princípio do amor. Demorei um tempo para descobrir que talvez demore para falar de amor, mas quando acontecer, tenho certeza de que algumas músicas vão voltar a fazer sentido.

Talvez alguns livros. E talvez eu até volte a preencher um pouco desse céu, que faz ainda mais sentido quando existe saudade.

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