quarta-feira, 6 de maio de 2015

O mundo é um moinho


Osmar Brito da Fonseca tinha orgulho do seu nome. Tanto que aos 17, já estampava em uma camisa de futebol. Britto. Com letra repetida porque assim parecia craque, como sua mãe sempre sonhou. Mal saiu da maternidade e Osmarzinho já tinha bola de futebol autografada pelos craques de 50. Tudo forjado, mas quem precisava tirar a ilusão dessa história?

Só o tempo, já que aos 22, o sonho acabou. Osmar fez um gol contra no jogo mais decisivo da história de Pinhal, sua cidade Natal. Saiu no jornal. Foi entrevistado pelo fracasso. Foi deixado por Ritinha, namoradinha da faculdade e por assim dizer, também deixou a faculdade. Cansou de tudo e decidiu virar garçom numa cidade bem longe dali. Assim, para cada freguês que chegava no bar, que mais parecia restaurante de segunda a quarta, Osmar fazia questão de falar mal do time. Desde o fatídico gol contra, aliás, só torcia pra time que tivesse ganhando. Adorava ver futebol na TV velha do bar bem em frente ao mar. E de frente ao mar, também guardava boas lembranças da vida. Azar no jogo e sorte no amor era a maior mentira que tinham contado pra ele.  Desde Ritinha, nada mais dava certo. No primeiro dia de emprego, já se apaixonou por Sebastiana. Cozinheira e viúva com 5 meninos, que ao contrário de Osmar, tinha sorte. 

Ganhou na loteria e nunca mais foi vista. E o que tinha tudo para ser uma linda história de amor virou conto de fim de noite. Por sua sina, Osmar começou a vender bolo de noiva. Vendia um por mês, mas não se culpava por isso. Reclamava de um mundo sem alma, onde as pessoas não valorizavam mais o amor. "As pessoas não conversam mais". Desabafava ele para o último freguês da quarta-feira. "Reclamam que o amor é ingrato, mas não criam conexões".  Nisso era especialista. Bem que tentou fazer algumas histórias darem certo. Colocava Marisa Monte bem alto no bar, mas nem pra isso tinha sorte. O máximo que faziam era pedir uma pizza para dois e uma música para afogar os medos. E por incrível que pareça, esse era o trabalho mais divertido do mundo. Gostava de analisar as pessoas pelos pratos que ela pediam. E claro, também tinha o seu passatempo preferido: quando não ia com a cara do cliente, também imaginava um instrumento de tortura pra ele. Bater na mesa até o outro ficar louco. Pingar goteira na cabeça. Prender o dedo na janela. Não, Osmar não era ruim, nem sádico. Só não acreditava em final feliz.

Mas um dia sua sorte mudou. Tudo aconteceu quando Filomena provou o tal bolo de noiva. Se apaixonou e pediu Osmar em casamento. Ele mal conversou, nem criou conexão, mas também nem hesitou. Casou na hora. Bem na frente do bar com um monte de cliente. Ou melhor, padrinhos que o bar rendeu para Osmar. Tinha seu Rubens, que gostava de ler Camus enquanto comia agulha frita. Tinha Paulete, que sempre apresentava os amantes para Osmar. E tinha também Amaral, que quando não estava bêbado reclamando do time, estava subornando Osmar pra ganhar o biscoito da sobremesa mais famosa do bar. 

Era uma noite linda, com direto à Marisa Monte nas alturas. Mal sabia o garçom iludido que esse tal de amor também era uma tortura.

Filomena era uma graça, mas em 3 anos, virou goteira na cabeça dele. Pedir o divórcio? Jamais. "Ainda é cedo, amor". Repetia Osmar.

Sabia que o mundo é um moinho mesmo. Se a cada esquina caia um pouco da sua vida, a cada desilusão, ganhava um pouco de cinismo.

E vender bolo de noiva era o maior de todos eles.

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